quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Os Meninos, A Borboleta e o Sábio

Me disseram um dia desses que por estas paragens moravam dois garotos muito arteiros.
Venâncio e o Palhano.
Os dois viviam levando bronca na escola, na rua, em casa, e até onde não apareciam, levavam a culpa por algum mal-feito.
Certo dia a professora, que desmentindo as histórias de cidade pequena, não era bonita nem virtuosa, mas era feia e bruta no trato com as crianças, resolveu soltar o verbo em cima dos dois meninos:
- Se vocês dois continuarem assim, nunca serão nem sábios nem famosos.
Venâncio olhou Palhano e Palhano olhou Venâncio.
- Ora, professora... Não existe neste pedaço de chão debaixo deste céu uma pessoa mais sabida que o meu amigo, o Palhano.
Palhano ficou todo cheio de si, e concordou com o amigo.
Mas Alice, que era a mais doce das alunas e a mais esperta também, tratou de tirar a alegria dos meninos.
- Professora, nem Venâncio nem Palhano, são os mas sábios desse pedaço de chão debaixo desse céu.
Raivosos os meninos queriam saber de onde Alice havia tirado aquela ideia sem pé, cabeça ou rabo.
- Lá no alto da montanha, onde tem neve o ano inteiro, mora um velho sábio. Ele sabe tudo que é sabido pelo homem. Não existe no mundo uma pergunta que ele não conheça a resposta.
- Pois, bem. - respondeu Palhano - Pois eu vou subir nesta montanha e se ele não souber a resposta da pergunta, provo que sou mais sábio do que ele.
Terminada a aula, Venâncio e Palhano começaram a subir a montanha. Mas não sabiam que pergunta fariam ao velho sábio.
Foi então que Palhano viu uma borboleta, e mais que rápido prendeu a coitada entre as mãos.
- O que foi, Palhano?
- Ora, Venâncio. Vou levar esta borboleta escondida nas mãos atrás das costas. Quando chegar na casa do sábio vou perguntar: a borboleta esta viva ou morta? Se ele responder morta, eu a solto, e ele erra. Se ele disser viva, eu esmago a borboleta nas mãos e ele erra.
- Mas então não há resposta certa para esta pergunta e o sábio não será mais sábio.
- Então eu provo que sou o mais sábio neste pedaço de chão debaixo deste céu.
E foram subindo a montanha.
Quando chegaram na casa do velho sábio, ele os esperava com um chá quente para vencer o frio da neve.
Os meninos ficaram assombrados.
- Como o senhor sabia que nós estávamos chegando?
- Ora menino, tome seu chá e não queira saber o que eu sei. Só sei que você não sabe que é falta de sabedoria andar pela neve sem casaco.
Os meninos agora sabiam o que antes não sabiam.
- Mas o que querem afinal, dois meninos que quase nada sabem?
Palhano então falou:
- Me disseram que o senhor é o homem mais sábio desse pedaço de chão debaixo desse céu.
- Huhum. - resmungou o sábio.
- Então me responda se souber, eu tenho nas mãos uma borboleta. Ela está viva ou está morta?
O sábio olhou bem nos olhos do menino, serviu mais chá e respondeu com um sorriso.
- Ora, menino, a resposta está em suas mãos, basta você escolher qual você quer.
O menino surpreso soltou a borboleta que saiu voando dali, fugindo da neve e voltando para o vale ensolarado.
Depois disso, Venâncio e Palhano, sempre que possível voltavam a montanha para aprender tudo que podiam saber sobre o que se poderia saber.
Alice?
Alice casou com Venâncio, que no assunto de amor, era mais sabido que Palhano...

terça-feira, 4 de agosto de 2015

O Fazendeiro, Seu Filho, o Burro, e os Conselheiros da Estrada

Contar de ouvir contar, já ouvi de tudo um pouco...
Dizem por aí ( e quem sou para discordar ), que esta fábula é de Esopo.
Me contaram mais ou menos assim.
Mais que um pouco para menos que um pouco para mais, pois o mais fui eu que não deixei de menos.
O que sobrar ou faltar se deve a mim.

Certa feita, um fazendeiro precisou ir até a cidade para fazer umas compras de umas coisa que lhe faltavam.
Se não me mentem, sementes.
Para sua mãe já bem velhinha, um carretel de linha.
Para sua esposa magricela, uma panela.
Para a filha perneta, uma caneta.
E para o filho...
Bem para o filho, sobrou ir com ele.
Sobrou também para o burro, que haveria de carregar as compras de volta à fazenda.
Só de imaginar ter de carregar peso, o burro emburrado, ficou todo cismado.
Mas não teve escolha o coitado, foi amarrado e levado.
Na estrada porém, o pai, o filho e o burro logo encontraram uma senhora idosa que muito apegada aos netos sacudiu o punho para o fazendeiro e foi logo soltando:
- Como pode uma criança ser obrigada a caminhar, sendo que tens ai a mão um burro forte que ele bem poderia montar? Se o filho está cansado, culpa do pai desnaturado. -  se foi.
O pai, olhou o filho, e lhe ordenou:
- Monte no burro, filho. Não quero que me acusem de desnaturado por nada neste mundo.
E foram assim...
O pai, o burro, e o filho montado no burro.
Mais em frente cruzaram outra senhora na estrada. Esta vinha com um povo do colégio. Lá era professora, e foi logo ensinando sem ser perguntada. Mas era esperta a danada...
- Veja você. Pois fosse no meu tempo, um filho não faria assim ao pai. Mas os tempos modernos são assim. Não foram feitos para mim. No meu tempo o mais idoso ia montado e a pé ia o filho do lado.
O filho, olhou o pai e pediu:
- Pai, vai montado o senhor. Eu vou do lado caminhando. Pois se não quer ser desnaturado, não quero ser chamado mal-educado.
O pai montou, o filho foi do lado.
Mas não é que a estrada era longa, e muitas pessoas iam por ela?
Mais a frente, encontraram outro bocado de gente.
Duas freiras bem intencionadas, mas que ficaram muito transtornadas.
A mais velha disse a mais nova, ou a mais nova a mais velha, quem me contou não soube afirmar com certeza:
- Que pai mais cruel, donde já se viu ir tranquilo a montar, enquanto vê seu filho caminhar? Que tipo de pai é esse que não pensa no filho? Não sei o que mais Deus pode fazer por este mundo.
O pai olhou o filho, e lhe disse:
- Monta na garupa, meu filho. Assim, agradamos a todos e não seremos desnaturados, mal-educados e nem pecadores diante de Deus.
E montaram o dois no burro.
Mas nada termina, enquanto não chega ao final.
E enquanto não se chegava a cidade, mais pessoas se cruzavam pela estrada.
E dos jovens formandos vindos da capital, com diploma e chapel, viram pai e filho, e logo foram colocando seus estudos em prática. Um bacharel em direito o outro não menos nem mais.
- Ora veja. Como podem maltratar assim um animal? Num sol como esse obrigar o bicho caminhar e carregar duas pessoas? Não seria exagero prender os dois por maus-tratos ao animal.
- Fosse na capital e houvesse lei, estariam os dois na cadeia. Deveriam carregar o burro nas costas para ver se é bom.
- Mas também, que podemos esperar desta gente desnaturada? Com certeza foi mal-educada. Por isso cometem tal pecado contra Deus, e a natureza.
Pai e filho, desmontaram, pegaram o burro e foram para a cidade carregando o bicho nas costas.
Não queriam ser desnaturados, afinal tinham tido boa educação e eram tementes a Deus.
Quando entraram na cidade foram por todos recebidos.
Gargalhadas e aplausos. Só podiam ser de circo, afinal, carregar daquele jeito um animal?
Ou eram loucos ou eram ambos burros por igual.
Até mesmo o prefeito aproveitou e pediu mais votos, porque fosse eleito outra vez, haveria de ter muito mais espetáculos e circos na cidade.
O pai e o filho, compraram suas coisas e resolveram largar o burro. Pois este lhes causou muitos problemas.
Foram para casa, sem burro, para não ter problema com nada.
Mas e o burro?
Quem me contou, contou e jurou, que o burro concorreu a prefeitura.
E venceu.
Pois este aprendeu muito com o homem.
Principalmente a não dar ouvidos ao que o homem tem pra dizer.