sexta-feira, 4 de março de 2016

Visões Noturnas


Venâncio Palhano era um peão de fazenda que viajava pelo interior do país sempre em busca de um emprego. Ele fazia de tudo, ajudava na lavoura, cuidava de gado, mexia com erva-mate, levantava cercas, caçava feras, fazia churrasco como ninguém, tocava viola, e passava horas animando a roda de chimarrão.

Seu único problema é que amava a estrada.

Não passava mais de uns dois meses em cada fazenda e já saia pelo mundo a andar pelas trilhas e trieiros no meio dessas matas fechadas, em busca de outro lugar para conhecer.

Porém, nestas minhas andanças ( que não são menos que as dele, só que não a pé, pois tenho pernas fracas como gravetos ), acabei esbarrando com Venâncio, em uma fazenda de erva-mate, onde, me confidenciaram estava havia seis meses.

Curioso, procurei saber o que havia de tão especial ali naquela pequena fazenda para segurar um espírito aventureiro por tanto tempo.

- É alguma chinoca? Ou está doente? Ou arrumou alguma pendenga e se esconde do mandatário?
- Qual nada! Se vosmecê quer mesmo saber o que me fez deixar de ser andarilho, já lhe conto.
Trouxeram o chimarrão, e corremos todos a ouvir a narrativa de nosso estimado amigo.
Ele principiou sua narrativa assim:

"- Estava eu na estrada em busca de uma fazenda qualquer onde pudesse ter um bom chimarrão, e quem sabe churrasquear e depois passar a noite esticado em uma rede, quando fui surpreendido pelo cair da noite.

A trilha era escura e a mata ao redor era fechada, o som dos bichos era distante e o luar bem fraco.

A sensação de solidão era tão pesada que me foi deixando triste e amedrontado.
Havia caminhado o dia inteiro sem ver nenhuma alma viva a não ser passarinhos e pernilongos, e queria chegar logo a algum lugar onde pudesse jogar conversa fora.
Qual não foi então, minha surpresa, quando do meio do mato saíram dois enormes homens negros, carregando cada um por uma ponta um lençol enrolado.

Concluí logo que era algum defunto, pois assim se costuma carregar quem passa deste mundo ao outro naquela região.

Pensei que eles estavam levando o pobre para algum vilarejo onde iria ser sepultado.

A minha sensação de solidão era tão grande que logo me deu vontade de alcançar os dois e perguntar quem era o defunto, se era boa pessoa, e quem sabe dar votos de sentimentos aos parentes.

Mas bastou eu andar, para eles andarem também, indo assim na minha frente, sem que eu pudesse os alcançar.

Na certa os pobres haviam se assustado comigo ali naquela trilha tão isolada que preferiram se manter longe, desconfiando que eu fosse algum assaltante.

O problema é que durante a caminhada, a imagem daqueles dois carregando o defunto a minha frente, pouco a pouco foi me deixando incomodado.

Eu parei e lhes gritei. Eles pararam, mas não me responderam. Andei de novo, eles andaram.

Aquilo me deu medo.

Estava claro para mim, que aqueles dois haviam matado o coitado e iam dar sumiço no corpo, mas não sabia o que pretendiam comigo. Talvez ainda decidissem entre si, me matar ou me deixar ir embora.

Eu parei outra vez, e resolvi ficar ali até que eles sumissem de vista. Mas os dois pararam também.

Aquilo foi demais, andei de novo eles andaram.

Parava, paravam... Andava, andavam... Parava, paravam... Andava, andavam...

Tomei a resolução. Sai correndo para alcançar os dois e resolver logo aquilo tudo.

Mas os dois correram sem largar o lençol, na minha frente. Quanto mais eu corria, mais eles corriam também.

Disparei com todas as forças que minhas pernas tinham, decidido a alcança-los. E assim o fiz."

Nesse momento ele parou para tomar outro chimarrão.
- Anda compadre. E então? Quem eram os dois? E quem era o defunto?

- Ora, compadre. Não eram ninguém.
Todos nós ficamos ali mudos, e Venâncio nos olhando matreiro, concluiu:
- Ora o medo da asas a imaginação, e esta aliada a solidão, nos prega anedotas tais que não se há de acreditar. Os dois negros carregando o lençol branco com o corpo, na verdade era uma vaca preta que tinha uma enorme barriga branca. Quando eu andava, ela andava, e se eu parava ela parava. E na escuridão da noite, eu no meu medo, acabei imaginando coisas.

Caímos todos na gargalhada.

Se a história de Venâncio era verdadeira ou não, eu nunca soube ao certo, mas se você passar pela velha fazenda que até hoje está ali naquela região, ele mesmo vai te contar enquanto toma um delicioso chimarrão. Pois já se vão vinte anos que ele mora por lá.

O medo pode dar asas a imaginação, mas cortou a asas de nosso velho amigo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário