segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Letra

 

Meu pai tinha uma letra maravilhosa. Eu gostava de vê-lo escrever. Ele escrevia pequenas coisas todos os dias: lista de tarefas, coisas para comprar, preços para pesquisar. Eu achava muito legal quando ia à rua com seu bilhete para comprar coisas ou realizar tarefas.

Minha letra já foi bonita, não como a dele, mas bonita também. Digitando em computadores há mais de trinta anos, ela se perdeu. Embora seja um proletário como outro qualquer, frequentemente preciso autografar livros e fazer dedicatórias. Que vergonha da minha letra! Ainda bem que ninguém reclama. Dado o retorno, as pessoas parecem gostar dos livros, ufa!

Desde criança eu era cercado de letras e números, aqueles de plástico para aprender a montar palavras e contar. Ainda me lembro como minha mãe ficou assustada ao me ver escrevendo sozinho - eu nunca tinha ido à escola. Por diversos motivos, o fato é que fiz do antigo primário uma completa zona: não fiz a primeira série, só fiz o último bimestre da segunda e o primeiro da terceira. Fui parar na quarta.

Os anos poupados no primário foram derramados na UERJ, onde gastei - melhor dizendo, investi - dias e dias com matérias muito loucas, shows, filmes, garotas lindas, futebol e conversa fiada - o esporte preferido. Me formei com dois anos a mais de curso, como todo ser humano normal, mas com uma tremenda vantagem: somada aquela experiência do primário com a da faculdade, mais a do trabalho (onde escrevi matérias e releases por anos a fio, sem assinar) e posteriormente no convívio na Livraria Berinjela, mais alguns anos de coragem e ploft - virei o que chamam de um escritor.

Isso não mudou em nada minha pobreza, minha tristeza e meu ceticismo sobre o ser humano, mas me deu uma satisfação enorme de fazer algo bem, do jeito que meu pai fazia com sua linda letra. É uma pena que ele não tenha lido um livro meu, mas todos têm a influência dele, de alguma forma.


@pauloandel

Nenhum comentário:

Postar um comentário