quinta-feira, 6 de abril de 2023

Que Horas Ela Volta?

 

É recorrente ouvir que a empregada é “parte da família”, depois de tantos anos convivendo e criando os filhos dos patrões. Entretanto, quando as relações extrapolam os vínculos empregatícios o posicionamento do patrão sobre “quem dá ordens” e “quem recebe ordens” é bem claro.

Essa construção socioespacial da casa burguesa está intimamente relacionada às barreiras e divisões sociais, sendo desde sempre setorizada em área social, íntima e de serviço. A área social é destinada aos moradores e às visitas, enquanto a área íntima é o espaço privativo dos moradores, por onde os empregados circulam somente para servir e limpar. Na área de serviço estão todos os ambientes que garantem que a casa funcione: cozinha, lavanderia, estendal e o dormitório de empregados.

A luta do nordestino por um espaço, seja na cidade, na casa ou no ensino superior, é representada pela personagem de Jéssica de maneira muito assertiva: ao aceitar os convites para ocupar o quarto de hóspedes e se sentar na mesa de jantar na casa dos patrões da mãe; o foco para conseguir uma vaga na FAU-USP, um curso extremamente elitizado; até o enfrentamento aos mandos da patroa.

Um fluxo contrário aos processos de gentrificação, apresentado no enredo pelo exemplo de reestruturação do Largo da Batata, uma região historicamente marcada pela dinâmica comercial de famílias nordestinas que, após a “revitalização” da região, são expulsas para a periferia, onde os recursos são escassos, as condições de moradia são precárias e o acesso ao trabalho exige horas de deslocamento.

Com a luta pelo direito das trabalhadoras, que culmina na sanção da PEC das domésticas em 2015, a classe média é obrigada a se adequar aos novos tempos – a partir de então, ter uma empregada doméstica diariamente ficou inacessível para esse público e é mais frequente que contratem o serviço alguns dias por semana.

Assim, o “quartinho da empregada” fica cada vez mais raro no programa da casa brasileira, embora ainda faça parte das casas e apartamentos de alto luxo, para gente que acha fundamental ser servido 24h, em condições deploráveis: mal iluminado, mal ventilado, disfarçado de depósito para fins de aprovação do imóvel. 

"Que horas ela volta?” é um resumo da complexa dinâmica vida social brasileira ao longo do território, seja no âmbito da casa ou da cidade. Assistir ao filme é sempre um convite à reflexão!


TEXTO:

Thiago Muniz

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