quarta-feira, 27 de junho de 2018

Ainda Vale a Pena


(Na foto, Falcão, Luís Pereira e Juari. Presentes da minha mãe em 1979, com seu salário de manicure).

Neste momento milhões de brasileiros estão tendo aquela que pode ser a sua única alegria do dia. A maioria do povo, aliás.

É impossível não torcer por eles e por mim mesmo, porque também sou um homem pobre, mais perto do fim do que do começo e também choro sempre. Tenho muitos motivos para isso, mas o principal deles é que não sou um escroque que só pensa em si. E qualquer pessoa que se preocupe com o próximo no Brasil acaba chorando.

No meio do caminho, tem os estudantes fuzilados, a moça que vai comprar uma roupa e some, os policiais assassinados, o desemprego, a fome, o caos. Está tudo na rua de qualquer grande cidade, só não vê quem enxerga com olhar hipócrita.

E por uma hora e meia o Brasil tem praticamente um cessar-fogo. Eu tenho um cessar-fogo no meu peito triste e doente.

Em 1970 eu era um bebê em casa e meus pais choravam porque meu tio estava preso, tomando porrada da ditadura num prédio que fica a 200 metros da minha casa.

Em 1978 eu saí à rua para pagar a mensalidade da escola no intervalo de Brasil x Argentina, na casa da diretora reaça. Uma chuva de papel picado na rua, linda.

Em 1982, andei com meus amigos pelas ruas desertas de Copacabana até a Lagoa, para jogar bola depois dos 3 a 2 da Itália. A bola caiu na Lagoa, sumiu rapidinho e voltamos desolados. Não havia um carro na rua.

Em 1990 a gente estava na casa do Luizinho. Nosso Xuru xingando o mundo inteiro depois do gol de Caniggia. A final de 1994 eu ouvi pelo rádio sozinho: não tinha dinheiro nem TV, no máximo esperança no futuro.

Em 1998, 2002 e 2006 em casa, com minha família. Foram tempos felizes. A de 2010 foi no trabalho - um jogo foi especial, já escrevi sobre isso. Em 2014, a festa foi bonita demais, apesar do desastre no campo: dava uma sensação de pertencimento ao país vendo as ruas, as gentes.

Agora, do jeito que dá, o futebol é algum bálsamo. A turma no botequim humílimo chorando - sim - com o golaço de CR7 no empate com a Espanha. Todo mundo vibrando com a Islândia contra a Argentina. E daí que a Coreia estava eliminada? O resultado aí está.

Eu não tenho compromisso algum com dirigentes corruptos, empresários de jogadores, jogadores deslumbrados, jornalistas pernósticos e prepotentes - que todos se explodam. O meu compromisso é com o gol, com o garoto do Alemão e sua camisa escrita a caneta, com os abraços, com a solidariedade, com os botões de panelinha, com a saudade da minha família. Se existe lama no futebol - e como há! -, a culpa não é dele mas sim de quem o controla ou tenta controlar - geralmente são os mesmos, que ninguém se iluda.

O mundo já está cheio de gente querendo decidir o que se pode ou não, mas que mal sabe de si mesma. O que eu quero é só uma horinha de alegria entre as lágrimas diárias. Penso nos ambulantes sorrindo agora, os trabalhadores humildes, os garotos sonhando em fazer um gol numa Copa. Eu já fui um garoto e sei bem o valor disso.

A Seleção venceu. Pode ter sido o penúltimo passo, pode ter sido o terceiro rumo ao hexa, pode ser qualquer coisa. Não importa: houve uma pequena felicidade, especialmente para quem quase nunca a tem. É como o amor, que vence até quando fracassa, pelo simples existir.

Ainda vale a pena.

EDTE TEXTO PERTENCE AO ESCRITOR PAULO-ROBERTO ANDEL


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