segunda-feira, 18 de junho de 2018

Série Histórica - Guerra de Canudos Parte 2: De Conselheiro à Santo

Em 20 anos de andanças, Antônio Conselheiro desenvolveu uma obra religiosa com grande apelo político e social. Ele era temido, e combatido pelas autoridades religiosas e civis na mesma proporção em que era cortejado e protegido.

Ganhou os nomes de Santo Antônio dos Mares, Santo Antônio Aparecido, Bom Jesus Conselheiro, Bom Jesus, Santo Conselheiro, porém o povo denominou sobretudo, Antônio Conselheiro.

Em 1874, o cônego Agripino da Silva Borges cedeu uma casa à Antônio e seus fiéis. Porém, o chefe de polícia Boaventura da Silva Caldas, pediu à capital, forças policiais e expulsaram Antônio. Sem reagir violentamente, Antônio partiu para o Sergipe. Foi a primeira de uma série de perseguições que ele sofreu por parte das autoridades.

A fama e a autoridade de Antônio Conselheiro cresceram rapidamente. A publicação carioca Folhinha Laemert alertou que ele tinha "grande influência no espírito das classes populares".

Ele sempre aparecia com cabelos e barbas compridos, vestindo camisolão de brim azul sem cintura, chapéu de abas largas e sandálias. Muito parecido com o monge italiano João Maria. Seu comer era frugal, dormia ou em chão duro ou alguma taboa. Vivia de esmolas.

Seus seguidores levavam, um oratório de cedro que encerrava a imagem de Cristo. Ele carregava dois livros: A Missão abreviada e Horas Marianas.

Desde 1876, a região de Itapicuru de Cima na Bahia foi uma espécie de quartel general. Foi ali que mais tarde ele fundaria Bom Jesus. Nessa época ele atuava nas regiões entre o rio São Francisco e Itaicuru. No centro dessa região se encontrava o arraial de Canudos.

No mesmo ano de 1876, a pedido do vigário dom Luís D'amour, a polícia prendeu Antônio Conselheiro acusado de assassinato. Diogo Antônio Bahia, alferes, acompanhado de 15 soldados foi o responsável pela sua captura. Mesmo em grande número, seus seguidores não reagiram.

Dois seguidores dele foram presos: José Manoel que foi arrolado à força ao exército e Estevão, este acusado de ser um escravo fugido. O fato de um escravo fugitivo encontrar abrigo entre os seguidores de Antônio Conselheiro gerou preocupação entre os grande proprietários.

No caminho para Salvador, ele foi espancado pelos policiais. Quando pressionado pelas autoridades para delatar os agressores, apenas disse: "mais que eu sofreu o Cristo". Foi enviado para Fortaleza no Ceará.

O vigário de Itapicuru pediu as autoridades que não fosse permitida a volta de Antônio Conselheiro à Bahia. Pedido reforçado pelo secretário de polícia da Bahia. A perseguição aos líderes religiosos populares na época parecia habitual.

Ainda em junho de 1876, ele foi enviado para Quixeramobim, onde foi libertado.

A popularidade do conselheiro acabou  gerando uma série de especulações sobre sua vida pessoal. Criaram a história de que ele havia sido autor de um duplo homicídio cujas vítimas teriam sido sua mãe e sua esposa. Porém sua mãe havia morrido em 1834, sendo ele ainda criança.

Em liberdade, Conselheiro voltou para o meio de seus fiéis.

Entre 1877 e 1887, Conselheiro passou por diversas povoações sertanejas, como Alagoinhas, Inhambupe, Bom Conselho, Jeremoabo, Cumbe, Mucambo, Massacará, Pombal, Monte Santo, Tucano e outras. Consertava igrejas e cemitérios, construía açudes, etc.

Nesses anos, seu renome já era grande, e era recebido com euforia nos povoados. Impressionava a plateia, porém pessoas instruídas o chamavam "charlatão".

Era duramente criticado por membros da elite, mas entre o povo, gozava de simpatia e despertava a sanha dos miseráveis.

Em 1888, seu nome já fazia parte da tradição oral.

Em Chorrochó, nas margens de um afluente do Rio São Francisco, Conselheiro descansava à sombra de uma árvore na entrada da vila. Ali se tornou um verdadeiro local de culto.

Os materiais de construção de que utilizavam seus fiéis para consertar igrejas e cemitérios e construir os açudes, eram doados e eles não cobravam pelos serviços. Seus seguidores eram alimentados com esmolas por comerciantes e grandes proprietários que o faziam para manter longe de suas terras os beatos.

Até hoje a Capela de Senhor do Bonfim, terminada em 1885, se mantém de pé.

Párocos desejosos de ver suas igrejas reformadas, convidavam Conselheiro para feiras locais e lhe cediam o púlpito. Isso reforçava seu perfil de pregador semi-oficial da igreja.

Seus seguidores eram batizados, casavam, confessavam e comungavam. essa era a principal fonte de renda de muitos dos vigários do interior.

Em 1888, um oficial da polícia baiana encontrou Conselheiro em Monte Santo, e segundo ele, os vigários o deixavam pregar, promover batizados, casamentos, novenas e tudo o mais que gera dinheiro as igrejas.

A relação entre Conselheiro e a igreja, porém, foi negada e esquecida quando ele e seus seguidores passaram a ser atacados pela hierarquia religiosa, e principalmente quando foram atacados militarmente.

Em fevereiro de 1882, 6 anos antes deste relato do oficial baiano, o arcebispo da Bahia enviou uma circular aos subordinados proibindo as pregações de Conselheiro nas diversas freguesias. Ele lembrava que a missão de doutrinar o povo não cabia a um homem comum, por mais instruído e virtuoso que fosse.

Até o final do século XIX, a autoridade religiosa católica de última instância cabia aos monarcas. Era um direito concedido aos reis de Portugal pelos Papas. Em virtude disso, Roma não podia intervir diretamente sobre os párocos.

Essa situação ajuda na compreensão da falta de assistência religiosas nas comunidades rurais e a dificuldade da igreja interferir nas formas religiosas populares. O catolicismo que existia era um sincretismo entre o catolicismo português e as tradições indígenas e africanas que se adaptava as duras condições de existência material e espiritual das camadas mais pobres.

O Papa Pio IX, iniciou uma campanha de reconquista do poder religioso da Igreja em relação aos estados nacionais, na segunda metade do século XIX. Tentando estabelecer laços de hierarquia entre Roma e as autoridades católicas nacionais. Era a "romanização do clero". Neste contexto político-religioso, surgiu a hostilidade da Igreja com Antônio Conselheiro.

Estas mudanças afetaram o relacionamento entre padres e paroquianos sertanejos do Nordeste. A Igreja colocava padres paulistas, mineiros ou estrangeiros na liderança das dioceses. Estes, estranhos aos costumes culturais e sociais dos sertões.

As escolas e seminários passaram a formar o clero, com base nas determinações diretas de Roma. O arcebispo da Bahia, dom Luís dos Santos, encontrou forte resistência de padres dentro de suas comunidades.

Pregadores e místicos leigos, mesmo proibidos de atuar pelo clero, continuaram a agir, inclusive com apoio de padres, no sertão baiano.

Conselheiro foi acusado pelo arcebispo da Bahia de pregar ao povo "doutrinas supersticiosas e uma moral excessivamente rígida". O semanário O Rabudo, fez a mesma acusação. Em 1985, pouco antes da Guerra de Canudos, o capuchinho João Evangelista de Monte Marciano denunciou ainda o ascetismo extremado dos seguidores de Conselheiro. Nina Rodrigues também alertou para as tendências "comunistas" desses seguidores.

As elites não permitem que a miséria popular se torne virtude religiosa. Quando isso acontece, a pobreza antes vista como inferioridade, torna-se uma condição para a Salvação. Se a pobreza apresenta-se como qualidade moral, a riqueza e o luxo das elites tornam-se símbolos de decadência e corrupção moral.

As instruções dadas por dom Luís dos Santos, eram para tentar coibir os "abusos" permitidos pelo próprio clero, mas suas determinações alcançaram resultados parciais. O arcebispo não conhecia as dificuldades vividas por dezenas de párocos do interior da Bahia. Porém, mesmo assim, a relação do pregador com o clero foi minada. Da conivência, da colaboração e omissão, passou-se a perseguição.

Em novembro de 1886, o chefe de polícia de Itapicuru de Cima, comunicou ao chefe de polícia da Bahia que conselheiro estava construindo ali uma capela. ele alegava que estavam com o pregador homens armados e que este reunia até mil pessoas para rezas e sermões. Informava ainda que o vigário de Inhambupe estava em conflito aberto com os conselheiristas.

Conselheiro continuava a ter sucesso nas práticas religiosas permitidas aos laicos pelo direito canônico. esta carta nada de novo apresentava a não ser a declaração do delegado de que os seguidores se armavam não só da "Palavra Sagrada", mas também de cacetetes, facas, facões e pequenas carabinas.

Os historiadores da Guerra de Canudos, pouca importância dedicaram à organização dos seguidores do pregador antes da formação do arraial de Belo Monte. O missionário e andarilho fundara um pequeno povoado. Abelardo Montenegro ( biografo ), afirma que ele transformou uma fazenda em povoado:

"Antônio construía, em 1886,
a capela de Bom Jesus,
onde trabalhavam às expensas do povo muitos homens,
inclusive cearenses,
nos quais depositava a mais cega confiança.
O cearense Feitosa chefiava os operários.
O arraial constituía uma praça de armas."

Como sabemos, Conselheiro era natural do Ceará. Segundo Nina Rodrigues, após diversos problemas com a polícia, Conselheiro teria deixado a vila de Bom Jesus para internar-se nos sertões e fundar o arraial de Belo Monte. Esta pequena comunidade com igreja, beatos e homens armados pode ter sido um ensaio para a futura Belo Monte.

Foi em 1886, que o delegado de Itapicuru oficiava que os seguidores do pregador andavam fortemente armados. Ele com certeza não se referia a todos os seguidores, mas a um grupo pequeno e seleto. Dez anos mais tarde, os acontecimentos comprovariam a capacidade dos fiéis de responderem aos atentados policiais contra o grupo.

Não existem informações precisas sobre a organização do núcleo de seguidores permanentes nem do arraial do Bom Jesus ( atual Crisópolis ). Não é impossível que Conselheiro tenha organizado grupos de apoio religioso e militar desde essa época, como existiram depois em Belo Monte.

A Companhia do Bom Jesus, era um grupo que prestava assistência espiritual à comunidade. E a Guarda Católica era um grupo de combatentes escolhidos e devotados, que defendia o reduto.

Sua influência foi vista em outros tantos personagens da época. Em Pernambuco, o Conselheiro Guedes, vestido como carmelita, percorria lugares afastados do interior, benzendo e pregando. Na Bahia, Conselheiro Francisco Maria de Jesus, ajudou a construir uma igreja em Cumbe, próximo ao arraial de Canudos.

Por volta de 1885, Conselheiro não era uma figura exótica, mas sim, um representante de destaque de uma comunidade religiosa laica que existia na região e no país. Junto com ele, e certamente influenciado por ele, outros "conselheiros" vagaram pelas zonas rurais da Bahia e pelas proximidades. Um deles, Luís Ribeiro da Silva, tinha sido beato de Conselheiro e resolveu criar seu próprio grupo de penitentes.

Em meados de 1887, um novo ofício do arcebispo da Bahia, denunciava a pregação de Conselheiro e suas "doutrinas subversivas" contra a Igreja e o Estado. O presidente da província pediu a internação do pregador no hospício D.Pedro II, no Rio de Janeiro, ao ministro do Império.

Conselheiro não havia cometido nenhum crime, ou desobedecido nenhuma lei eclesiástica. Mas isso não impediu o questionamento de sua faculdades mentais. Porém, o pedido eclesiástico não prosperou. O ministro alegou não haver vagas no hospício. O presidente da província informou ao arcebispo esta informação, como uma recusa educada ao pedido. Caso houvesse vontade política, com certeza se arrumaria um lugar para o Conselheiro no hospital.

Não se sabe os motivos concretos da recusa do presidente da província de internar Conselheiro. Na época ele já contava com simpatizantes e protetores na capital. É possível que as autoridades temessem a reação dos seguidores do pregador. Era de conhecimento das autoridades que um grupo armado seguia Conselheiro pelos sertões.
Este artigo tem como base bibliográfica a obra Belo Monte uma História da Guerra de Canudos, de José Rivair Macedo e Mário Maestri, da Editora Moderna que faz parte da Coleção Polêmica.

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